PESQUISE EM DESENTUPIDORA EM BH

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Atalhos para a autonomia


Atalhos para a autonomia


A história por trás do maior portal de mobilidade urbana do Brasil
(reportagem publicada na revista Vida Simples)
São Paulo, 17 de junho de 2014. Pelo Facebook, o administrador público Ricky Ribeiro, 34 anos, pede ajuda. “Estou vendo um esquema especial para assistir um jogo da Copa na Arena Corinthians e consegui os ingressos. (…) Como atualmente não consigo segurar o pescoço e não tenho movimento, precisaria me deslocar deitado até o estádio (…). Será que existe carro adaptado para ambulância?”. A missão de chegar ao estádio era difícil sendo Ricky portador de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), uma doença degenerativa que diminui progressivamente o controle dos movimentos do corpo. Além da ambulância, era preciso conseguir um lugar no estádio para a cadeira especial que segura seu pescoço e uma tomada disponível para ligar seu respirador. Mas, mesmo sem conseguir se mover, Ricky está longe de se deixar paralisar.  
Ricky1 Crédito Rogério Alonso
Ricky Ribeiro. Foto: Rogério Alonso
“Desde os 17 anos, ele queria fazer um ‘bem público’”, conta sua mãe Cristina Ribeiro. Graduou-se, em 2002, no curso de administração pública da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Depois de formado, passou dois anos em Barcelona. Fez um MBA Executivo pela Universidade de Barcelona e um Mestrado em Sustentabilidade pela Universidade Politécnica da Catalunha (UPC). De volta ao Brasil, foi morar e trabalhar em Recife. “Eu tinha uma vida perfeita, ia a pé para o trabalho, jogava tênis, andava de bicicleta e corria na praia”, conta Ricky. Foi aí que a doença começou a se manifestar, com falhas no comando das pernas que provocavam quedas. Em 2008, o diagnóstico foi confirmado. Mas o que poderia ter sido uma história trágica acabou se tornando um insight profissional. Ao saber que perderia sua própria mobilidade, Ricky decidiu criar o Mobilize, hoje o maior portal de mobilidade urbana do Brasil.
“Dificilmente existiria o Mobilize se eu não tivesse perdido os movimentos. Um diagnóstico como o que eu tive gera uma reflexão sobre a vida e, quando passei a ter mais tempo livre, decidi que queria entender mais sobre mobilidade urbana para trabalhar com o tema caso ficasse curado algum dia. Logo nas primeiras semanas de pesquisas, já tive a ideia de criar o portal.
Os meus pais e meus amigos tiveram papel fundamental nesse processo. O Renato Miralla e o Guilherme Bueno conseguiram patrocínio para financiar o projeto editorial, elaborado pelo jornalista e economista Thiago Guimarães. Meses depois, eles fizeram uma campanha de arrecadação para contratarmos o jornalista Marcos de Souza e sua agencia de conteúdo, a Mandarim, para produzir matérias e estudos para o portal. Mas a pessoa mais importante nesse processo foi a Cristina Ribeiro, minha mãe. Ela é uma profissional muito competente, que se destacou em todos os lugares por onde passou e que deixou o cargo de diretora em uma empresa para cuidar de mim quando comecei a ficar dependente. Ela articulou com todos os envolvidos no portal, cuidou de toda parte administrativa e fez o Mobilize acontecer.” 
O Mobilize nasceu em 2011 com a missão de “contribuir com a melhoria da mobilidade urbana e da qualidade de vida nas cidades brasileiras”. Na radiografia que fizeram dos indicadores disponíveis sobre o assunto no país, um dado sobressaiu: a maioria dos deslocamentos nas cidades brasileiras (36,8%) é feita exclusivamente a pé. Isso sem contar as caminhadas até o transporte público, o carro ou a bicicleta. Ficou evidente para toda a equipe a importância das calçadas na mobilidade urbana. 
“O poder público imputou a responsabilidade das calçadas aos proprietários dos imóveis, mas se é quase impossível garantir um padrão em um único quarteirão, imagine na cidade inteira. Eu e todos no Mobilize defendemos que as calçadas sejam de responsabilidade das prefeituras, assim como são as ruas e avenidas. Exemplos de outros países mostram que somente o poder público tem capacidade e autoridade para projetar, construir, fiscalizar e manter as calçadas, além da sinalização e iluminação nos padrões necessários.”
Veio dessa reflexão a ideia para a primeira campanha do Mobilize, a Calçadas do Brasil•, em 2012. Colaboradores do portal levantaram dados sobre as calçadas das 12 cidades-sede da Copa do Mundo. A pesquisa permitiu comparar dados, atribuir notas às cidades e criar um ranking brasileiro de calçadas. O resultado foi desolador: a média das notas atribuídas ficou em 3,4. Segundo os critérios da pesquisa, a nota mínima para uma calçada de qualidade seria 8. Nenhuma das cidades atingiu esse mínimo. 
A divulgação da campanha Calçadas do Brasil repercutiu. “O ranking saiu no Jornal Nacional e fomos procurados pelos prefeitos de São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus e Salvador com promessas de consertar as calçadas”, conta Cristina. O Mobilize também foi procurado pelo Secretário Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana, Julio Eduardo dos Santos: “Vocês têm mais dados do que nós na Secretaria!”. Ricky estava pautando a imprensa nacional e influenciando a gestão pública de cidades. E estava fazendo isso sem sair da cama.
“Além de fazer um trabalho que gosto muito, sinto que estou fazendo algo útil. Estou lutando por uma causa que é muito maior e mais importante que a minha doença.”
Olhos-atalhos 
Ricky consegue trabalhar e se comunicar com o mundo graças a um aparelho chamado Tobii Eye, que detecta o movimento da retina e permite que os olhos controlem a tela de um computador. Foi com essa tecnologia que ele conseguiu digitar todas as aspas que você lê nesse texto, já que também perdeu a fala. Ricky ainda consegue mover as sobrancelhas, seu código para “sim”, e o pescoço levemente à esquerda, que significa “não”. Ao seu lado, a mãe Cristina sabe traduzir tudo o que o filho quer dizer: ele mostra fotos no Facebook e ela conta as histórias das fotos, ele abre um link e ela explica o conteúdo.
Ricky2 Crédito Rogério Alonso
Ricky Ribeiro. Foto: Rogério Alonso
Ricky passeia os olhos pela tela do computador seguindo uma lógica cartesiana. Tudo de que precisa – softwares, links, referências – está organizado em atalhos. Esses atalhos permitem a ele o máximo de eficiência em cada uma de suas atividades. Talvez esteja aí a maior vocação do Mobilize: criar atalhos. Segundo o doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, Vladimir Bartalini, “Mobilidade é a equação entre tempo e dinheiro que separa as pessoas das oportunidades (escola, trabalho, hospitais, áreas de lazer, etc)”. Melhorar a mobilidade é criar atalhos entre pessoas e oportunidades. 
“Eu vivenciei por quase três anos os benefícios do urbanismo de Barcelona. Lá, a cidade é compacta e a maioria dos bairros são multifuncionais, contendo moradia, emprego, estudo e lazer.  Segundo o diretor da Agência de Ecologia Urbana de Barcelona, Salvador Rueda, as cidades são ecossistemas e, assim como ocorre na natureza, quanto maior a diversidade e a complexidade organizacional do sistema, mais desenvolvido ele é.”
Aumentar a complexidade dos deslocamentos é oferecer mais escolhas às pessoas. Vem daí o insight para a nova campanha do portal, a Sinalize•, sobre sinalização pensada não apenas carros como também pedestres, ciclistas e usuários de transporte público. “Uma cidade bem-sinalizada para todos dá mais autonomia às pessoas em seus deslocamentos”, diz o urbanista do Gehl Architects, Jeff Risom.
Autonomia é uma característica que Ricky conseguiu manter, ainda que parcialmente. Após dois anos sem sair de casa – a última vez tinha sido em 2012, para uma traqueostomia – ele conseguiu mobilizar amigos, parentes, desconhecidos e a FIFA para realizar seu sonho. No dia 1 de julho ele foi de ambulância até a Arena Corinthians e viu a Argentina derrotar a Suíça por 1 a 0 na prorrogação. 
“A ida à Arena Corinthians superou todas as minhas expectativas e foi uma experiência inesquecível. A emoção que senti ficará guardada comigo para sempre, mas tão emocionante quanto a ida ao estádio, foi o processo para viabilizá-la. Foi incrível o empenho dos meus pais e o envolvimento de centenas de amigos e de muitas pessoas que eu nem conhecia, mas que não mediram esforços para realizar meu sonho. Sinto que cada uma dessas pessoas de alguma forma estava lá comigo neste momento especial.”
Ricky no estádio
Ricky Ribeiro. Foto de seu acervo pessoal
Informações sobre as campanhas Calçadas do Brasil e Sinalize, bem como manuais de boas práticas, estão no site do portal do Mobilize.
FONTE; SUPER INTERESSANTE
TAGS# DESENTUPIDORA

Nenhum comentário:

Desentupidora em Contagem